Neste capítulo da série de artigos de Nikos A. Salingaros, David Brain, Andrés M. Duany, Michael W. Mehaffy y Ernesto Philibert-Petit, que trata do estudo da habitação social na América Latina, os autores apresentam algumas recomendações sobre a sequência de ações para a criação deste tipo de habitação, seja em zona rural ou urbana.
- Desenho capaz de estabelecer 'pertencimento emocional'
- Antipadrões da habitação social na América Latina
- Habitação social na América Latina: geometria do controle
- Habitação social na América Latina: biofilia, conectividade e espiritualidade
- Aplicando o trabalho de Christopher Alexander na habitação social
- Estratégias de construção para habitação social na América Latina
- Exemplos de padrões e códigos geradores
- Estratégias de projeto para habitação social na América Latina
- Habitação social na América Latina: Sequência de desenho
- Conselhos práticos para o futuro da habitação social na América Latina
- A necessidade de materiais adaptáveis na habitação social latino-americana
- Estratégias de financiamento de pequena escala
- Trabalhar com (ou contornar) o sistema
- Estratégias de manutenção
15 - Um código gerador para habitação social em áreas rurais e urbanas
Nós recomendamos os passos a seguir, à medida que nós enfatizamos os aspectos não comuns de nosso método, e deixamos os detalhes mais óbvios da construção para o grupo local:
1. Caminhe na área para diagnosticar a sua condição, suas qualidades, seus problemas, suas excepcionais oportunidades, áreas que precisam de reparo, etc. Identifique os espaços candidatos ao lugar sagrado, como por exemplo, montanhas, rochas proeminentes, grandes árvores, etc. Eles deverão ser protegidos e mais tarde incorporados ao espaço urbano.
2. Em muitos casos o assentamento vai ter um limite que determina as conexões das ruas. Onde isto não acontece, (isto é, no campo) a limitação da área deve ser fixada, porque ela terá um impacto no padrão geral das ruas. (Padrão 15: Limites do Bairro, de Alexander et al. 1977).
3. Caminhe na área para determinar a rua principal e a rua principal transversal a partir do fluxo de pedestres de acordo com a topografia e as características físicas locais. Elas irão representar o Cardo e o Decumanus romanos, mas não necessitam ser retas, nem ortogonais, uma em relação à outra. Marque-as fortemente, com postes e bandeiras vermelhas. Deixe espaço para as ruas e para os passeios nos dois lados (Figuras 1 e 2).
4. Caminhe na área mais uma vez para visualizar onde o espaço urbano pode ser definido (decidido pelos pontos identificados como os melhores para se estar e que de alguma maneira focalize os sinais positivos de toda a área). Estas serão as saliências na rua principal, próximo do centro, e que deverão conter algum espaço sagrado, se for possível. Aplique o princípio do fluxo tangencial ao redor de um espaço urbano (isto é, as ruas vão ao longo do espaço, não através do seu centro). Um espaço urbano pode ser tão longo quanto for necessário, mas não deve ser maior do que 20 m. (Padrão 61: Pequenas Praças Públicas). Marque os limites dos espaços urbanos com bandeiras vermelhas (Figuras 3 e 4).
5. Decida as áreas que as casas irão ocupar, para cercar e reforçar parcialmente os espaços urbanos. As paredes frontais das casas, sem recuos, definirão os limites dos espaços urbanos.
6. Agora, algumas das decisões importantes sobre os layouts deverão ser tomadas. Uma possível tipologia é criar quarteirões com a profundidade de duas casas em seqüência, não necessariamente retas, cada um com dimensões de 40-60 m de largura e de mais ou menos 100-150 m de comprimento. A construção dos quarteirões inicia no limite do espaço urbano e das ruas principais. Os seus limites irão definir as ruas secundárias, que são marcadas com bandeiras vermelhas. As ruas secundárias formam junções em T (Padrão 50: Junções em T) nas intersecções e não cruzam a rua principal. As ruas secundárias são mais estreitas do que as ruas principais (Figura 5).
7. Ao mesmo tempo, as questões sobre a drenagem das águas são acertadas porque as direções das ruas devem coincidir com o fluxo das águas. Decida onde será localizado o dreno principal para fora do assentamento, para evitar inundações. Verifique se alguma rua deve ser desobstruída.
8. As ações sobre a terra iniciam somente agora, com o governo fazendo as divisões da terra de tal modo que os lotes drenem para os dois lados das ruas. As ruas deverão ser desimpedidas, onde for necessário, para facilitar o escoamento do fluxo de água, como foi definido anteriormente.
9. Os futuros residentes que estejam participando podem marcar as dimensões de suas casas colocando bandeiras azuis. As casas devem acomodar-se aos caminhos laterais e ocupar toda a frente do terreno. Fora estas restrições, há completa liberdade no planejamento da casa. Se houver um quintal, defina-o usando o volume da casa para envolvê-lo parcialmente (Padrão 115: Quintais que vivem). Variações individuais são essenciais para garantir exposição ao sul nos quintais, de outra maneira eles não serão utilizados (Padrão 105: Áreas abertas de face sul). Primeiro defina os prédios ao redor dos espaços urbanos principais e nas entradas principais (Figura 6).
10. Uma vez que um número suficiente de casas alinhadas tenha sido marcado, complete o limite do lote usando bandeiras amarelas. Cada lote deve ser no mínimo 20 m de profundidade e 6 m de largura. Os lotes são separados por uma avenida nos fundos e por um caminho de pedestres, a cada lado. Os lotes são marcados e o trabalho é iniciado. O que é admirável neste processo é que agora é a primeira vez que o assentamento é desenhado em papel (até agora estivemos trabalhando somente com bandeiras no solo).
11. O governo põe a infra-estrutura que ele provê: geradores de eletricidade nas avenidas, sistema de água ou uma distribuição regular de torneiras públicas, canos de esgoto ou algumas latrinas separadas por gênero, etc.
12. O primeiro ato desta construção é fazer um passeio de concreto posicionado ao longo de todas as frentes de casas marcadas. O governo faz isto em todos os lotes demarcados, mas não nas partes do assentamento que ainda não foram planejados. É conveniente completar um quarteirão de casas de cada vez. O passeio, por si mesmo, deveria ser bem amplo (um passeio de 1.5m é inútil para formar uma vizinhança) e levantado da rua (Padrão 55: Passeios altos).
13. Os residentes preparam desenhos usando pedaços coloridos de restos de materiais não mais grossos do que 1 cm (pedrinhas, pedaços de tijolos, etc.) e os empurram dentro do concreto molhado, logo que o concreto seja derramado e alisado. Qualquer coisa pode ser usada, desde que não comprometa a integridade estrutural do concreto. Juntas de dilatação são incorporadas como parte do desenho. Este ato personaliza o pedaço do passeio de cada um e estabelece a prioridade da expressão humana sobre as formas industriais (Figura 7).
14. A construção da casa pode começar, feita pelos próprios residentes, com a fachada frontal se erguendo primeiro, no limite com o passeio. Desta maneira, os espaços urbanos, ao invés das casas, são os primeiros elementos espaciais a serem fisicamente construídos. (Padrão 106: Espaço externo positivo).
15. A entrada, ou as entradas, para o assentamento devem ser claramente definidas por construções mais proeminentes, pois eles são pontos de transição óbvios (Padrão 53: Acessos principais).
16. O governo pode solidificar o espaço urbano construindo um quiosque — um espaço coberto e aberto (Padrão 69: Espaços públicos cobertos). Garanta que haja degraus confortáveis para que as pessoas sentem (Padrão 125: Degraus para sentar). Este elemento pode catalisar o uso do espaço urbano e reforçar os elementos sagrados tais como uma grande árvore, por exemplo.
17. Os proprietários completam suas casas individuais no seu próprio ritmo. Eles têm completa liberdade no desenho da planta com suas características originais. Se for apropriado para a cultura local, podem construir um muro baixo para sentar ou uma platibanda integrada à fachada frontal, próxima à entrada (Padrão 160: Construindo um avanço e Padrão 242: Banco na porta da frente). Isso poderá, por sua vez, influenciar um avanço da cobertura (Figura 8).
18. A descrição da seqüência da construção depende na disponibilidade local de materiais, do sistema de entrega e das mais econômicas alternativas. As decisões do tipo: preencher o piso e colocar concreto, ao mesmo tempo, nos passeios; se há encanamento disponível que precisa ir embaixo do piso; se é preciso encher de concreto canos para fortalecer os cantos da casa; que material usar para preencher as paredes; escolher ou não um módulo pré-fabricado de concreto para o banheiro; a forma do telhado e como ele vai ser construído são melhor feitas pelos consultores locais.
19. Os consultores podem recomendar aos proprietários / construtores como formar a entrada da casa e as janelas. A entrada principal deve ter os marcos e as bordas engrossadas dramaticamente para representar a transição de fora para dentro (Padrão 225: Marcos como bordas engrossadas). Encoraje as pessoas a construir um espaço de transição, por modesto que seja (Padrão 112: Transição de entrada). Isto enfatiza a entrada como um processo, o oposto de uma porta da frente desenhada como uma imagem de uma descontinuidade mínima na parede reta (Figura 9).
20. Os mesmos princípios também se aplicam às janelas: ajude os construtores / proprietários a criar janelas com profundas aberturas e com esquadrias e marcos grossos. (Padrão 223: Aberturas profundas).
21. Talvez a regra simples mais importante para criar peças em uma construção seja que elas devem ter luz natural de dois lados. (Padrão 159: Luz em dois lados de todas as peças).
22. À medida que as frentes das casas estiverem próximas de estarem completadas, o governo supre os moradores com materiais e tintas e oferece um prêmio monetário para a mais artística ornamentação, de preferência usando motivos tradicionais inteiramente escolhidos pelos moradores (Padrão 249: Ornamento). A ornamentação deveria ser mais detalhada e mais intensa ao nível dos olhos e naqueles lugares onde o usuário possa tocar o prédio (Figura 10).
As propostas acima podem parecer interessantes e talvez extraordinárias para os planejadores convencionais. Alguns irão sem dúvida, criticá-las, mesmo que elas sejam apoiadas pelo mais importante documento de planejamento da América Latina: as Leis das Índias. (As Leis das Índias explicitamente orientam um assentamento para que seja projetado ao redor de seu espaço urbano central, que deve ser estabelecido primeiro). Nós acreditamos que nossas sugestões podem ser aplicadas e que nós as devemos tentar e implementar em todos os graus possíveis. Não é necessário ao construtor ter acesso à inteira descrição de cada padrão descrito aqui, um simples resumo e um diagrama são suficientes. Nós listamos os padrões somente com propósitos de referência. O objetivo da ornamentação NÃO é para fazer alguma coisa “bonita” para distrair os moradores das suas difíceis condições de vida. Na verdade, isto serve para conectar os residentes, de uma maneira profunda, ao seu ambiente, dando-lhes a propriedade intelectual da estrutura física. Por esta razão, é absolutamente necessário que os residentes mesmos gerem todos os ornamentos e os criem com suas próprias mãos.
Todas as figuras foram desenhadas à mão por N.A.S.
Versão anterior deste artigo foi apresentada por N.A.S. como uma palestra no Congresso Ibero-Americano de Habitação Social, Florianópolis, Brasil, 2006. Publicado em URBE: Revista Brasileira de Gestão Urbana, Vol. 3 No. 2 (Julho/Dezembro 2011), páginas 293-308.
Tradução para Português: Lívia Salomão Piccinini.
Bibliografia
- Christopher Alexander, S. Ishikawa, M. Silverstein, M. Jacobson, I. Fiksdahl-King & S. Angel (1977) A Pattern Language (Oxford University Press, New York). Edición española (1980) Un lenguaje de patrones (Gustavo Gili, Barcelona).
Publicado originalmente em 5 de agosto de 2019, atualizado em 14 de agosto de 2020.